Por Guilherme Moraes – Advogado, Especialista em Direito do Consumidor, Dirigente do PROCON Municipal de Marília (2004 a 2013 / 2017 a 2024).

Março e novembro se tornaram os meses mais esperados pelo comércio e mais perigosos para o bolso do consumidor. A chamada Semana do Consumidor e a famosa Black Friday deixaram de ser momentos de celebração e passaram a ser verdadeiras armadilhas financeiras. Atrás das vitrines virtuais e das telas piscando com “imperdíveis oportunidades” está um fenômeno cada vez mais comum e silencioso: o superendividamento.

A lógica é simples e cruel. O mercado aprendeu a transformar o consumo em urgência e o crédito em isca. As ofertas se multiplicam, os limites aumentam, e o convite para “comprar agora e pagar depois” soa tentador demais para quem luta para manter as contas em dia. O resultado é um círculo vicioso de dívidas que cresce junto com a promessa de felicidade parcelada em doze vezes sem juros.

O problema é que esse tipo de estratégia vai contra o que diz a Lei nº 14.181/2021, conhecida como a Lei de Apoio ao Superendividado. Ela surgiu para conter exatamente o abuso da oferta de crédito sem avaliação da capacidade de pagamento do consumidor. A norma determina que empresas e instituições financeiras devem agir com responsabilidade e transparência, informando riscos, custos e consequências de cada contrato.

Na prática, porém, o que vemos é o contrário: uma enxurrada de propagandas que estimulam o consumo impulsivo e empurram o cidadão para o abismo financeiro.

Bancos, fintechs e grandes redes varejistas apostam em campanhas sedutoras, repletas de frases que prometem liberdade, quando, na verdade, vendem dependência. O crédito, que deveria ser um meio para inclusão econômica, virou um instrumento de exclusão social. E o que mais assusta é que o superendividamento, essa “doença financeira” moderna, não escolhe classe social: atinge trabalhadores, aposentados, jovens e famílias inteiras.

Enquanto isso, a educação financeira segue esquecida. A ideia de que “comprar é poder” substituiu o princípio de que “consumir é escolher”. O consumidor, em vez de ser protegido, é assediado. A publicidade virou uma espécie de hipnose coletiva, e o crédito fácil se disfarça de solução imediata para problemas de longo prazo.

A Semana do Consumidor e a Black Friday poderiam ser grandes oportunidades para estimular o consumo consciente, promover campanhas de informação e valorizar a relação justa entre empresas e clientes. Mas o que se vê é uma corrida desenfreada por números, metas e lucros, mesmo que isso custe a dignidade de quem compra.

É hora de virar esse jogo. A defesa do consumidor precisa sair das páginas da lei e voltar para o cotidiano das pessoas. Ser consumidor é um direito, não uma sentença. E é justamente por isso que, antes de clicar em “comprar agora”, talvez o gesto mais revolucionário seja o de esperar um pouco e pensar.

>>Receba as últimas notícias em nosso grupo do WhatsApp