
Por Guilherme Moraes – Advogado, Especialista em Direito do Consumidor, Dirigente do PROCON Municipal de Marília (2004 a 2013 / 2017 a 2024).
Em um país onde o Código de Defesa do Consumidor deveria ser tratado como uma das grandes conquistas sociais da nossa história recente, o que se vê, na prática, é um cenário preocupante de enfraquecimento institucional e de tolerância crescente a condutas que violam frontalmente a legislação consumerista.
Nos últimos anos, multiplicaram-se as situações em que empresas testam e muitas vezes ultrapassam os limites da legalidade, confiantes de que encontrarão do outro lado uma fiscalização tímida, acuada e frequentemente desestruturada.

O problema não está apenas na astúcia de fornecedores que abusam deliberadamente da vulnerabilidade do consumidor. Está, sobretudo, na atuação acanhada de alguns órgãos que deveriam servir como barreira sólida contra abusos. A falta de firmeza em fiscalizações, a inconsistência na aplicação de sanções e a ausência de posicionamentos técnicos mais contundentes alimentam um ciclo perigoso: quando a fiscalização se cala, a ilegalidade ganha voz. E quando a ilegalidade ganha voz, o consumidor perde direitos.
É preciso enfrentar um fato incômodo, mas real: há um visível processo de acovardamento de parte dos fiscais e agentes responsáveis por fazer valer o CDC. Pressões diversas, medo de retaliação econômica, insegurança jurídica e até falta de capacitação vêm transformando a proteção do consumidor em um discurso bonito, porém inefetivo. Enquanto isso, práticas como ofertas enganosas, contratos abusivos, cobranças indevidas e assédios comerciais se multiplicam justamente porque o risco de punição se tornou baixo.
Esse enfraquecimento não ocorre por acaso. Ele nasce da flexibilização crescente da defesa do consumidor, tratada por alguns setores como entrave ao desenvolvimento econômico, e não como mecanismo essencial de equilíbrio nas relações de consumo. A lógica parece ter se invertido: proteger o consumidor virou sinônimo de “atrapalhar o mercado”, quando na verdade um mercado saudável só existe onde há regras claras, respeito e fiscalização forte.
Os prejuízos dessa sonolência são concretos. A permissividade gera consumidores desamparados, aumenta o superendividamento, corrói a confiança nas instituições e estimula modelos de negócio baseados na violação sistemática de direitos. Quando órgãos deixam de autuar o que é autuável, quando fiscalizações tornam-se opcionais, quando pareceres são moldados para minimizar infrações evidentes, a mensagem transmitida ao mercado é inequívoca: vale tudo.
É urgente resgatar a seriedade da política nacional, estadual e municipal de defesa do consumidor. Isso exige coragem institucional, independência técnica e valorização das equipes de fiscalização. Exige, sobretudo, compreender que proteger o consumidor não é ato ideológico, nem capricho administrativo é garantia de cidadania, de segurança nas relações econômicas e de respeito a milhões de brasileiros que, diariamente, são a parte vulnerável dessas relações.

Enquanto persistir o silêncio institucional diante do abuso, o consumidor permanecerá em desvantagem. E um país que normaliza o desrespeito ao seu próprio marco legal renuncia, pouco a pouco, à ideia de justiça. É tempo de romper esse ciclo. A defesa do consumidor não pode ser tímida. Tem de ser forte, técnica e inegociável. Porque onde a fiscalização se cala, o abuso se torna regra e a sociedade inteira paga a conta.
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