Por Guilherme Moraes – Advogado, Especialista em Direito do Consumidor, Dirigente do PROCON Municipal de Marília (2004 a 2013 / 2017 a 2024).

A Black Friday se consolidou como um dos maiores eventos do varejo brasileiro. Milhões de consumidores acessam sites e aplicativos em busca de promoções que prometem transformar necessidades em oportunidades. No entanto, terminado o entusiasmo das compras, surge um cenário recorrente de problemas que coloca em evidência fragilidades históricas do comércio eletrônico e a dificuldade de muitos órgãos de defesa do consumidor em responder com firmeza e agilidade.

O ambiente digital democratizou o acesso ao consumo, mas também ampliou o número de práticas abusivas. No período pós-Black Friday, aumentam as denúncias de atrasos na entrega, propaganda enganosa, cancelamentos indevidos e produtos que não correspondem ao que foi anunciado nas vitrines virtuais. Cresce também a frustração com marketplaces que intermediam vendas sem realizar controle efetivo sobre fornecedores, permitindo que vendedores desapareçam logo após o recebimento do pagamento.

Esses problemas se intensificam quando o consumidor busca auxílio institucional e não encontra respostas eficientes. Muitos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor adotam procedimentos lentos, burocráticos e pouco incisivos diante de plataformas que movimentam bilhões de reais. Em vez de fiscalização contundente, prevalece uma postura hesitante, que transmite ao cidadão a impressão de que ele está por conta própria diante dos grandes players do comércio digital.

O Código de Defesa do Consumidor oferece instrumentos sólidos para responsabilizar empresas por práticas abusivas e garantir o cumprimento das ofertas. A legislação de prevenção ao superendividamento reforça ainda mais esse dever ao exigir informação adequada e prevenção de riscos. Mesmo assim, ações preventivas e medidas sancionatórias ainda se mostram tímidas diante do volume de irregularidades identificadas ano após ano. A cartilha do Conselho Nacional de Justiça sobre superendividamento demonstra que a falta de intervenção efetiva contribui para o crescimento das dívidas de consumo e para a perda da capacidade financeira das famílias.

O comércio eletrônico não é o vilão. Ele representa modernização, conveniência e oportunidades. O problema está na ausência de respostas proporcionais ao tamanho e à complexidade do mercado digital. Consumidores que enfrentam dificuldades após a Black Friday recorrem a canais de atendimento automatizados que não resolvem, enfrentam devoluções demoradas e tentam dialogar com fornecedores que frequentemente se escondem atrás de políticas internas pouco claras. Essa dinâmica contribui para o desgaste emocional e financeiro dos usuários, que muitas vezes comprometem parte significativa da renda tentando corrigir problemas que não criaram.

A era digital exige postura ativa, fiscalização moderna e presença constante daqueles que detém o poder de fiscalizar. Se a tecnologia avança, a proteção ao consumidor precisa avançar no mesmo ritmo, mas não é o que vemos.

O pós-Black Friday deveria ser marcado pela solução rápida das reclamações e pelo fortalecimento da confiança entre consumidor e fornecedor. A realidade, no entanto, ainda revela uma distância considerável entre o que a lei determina e o que é efetivamente praticado.

É urgente que a defesa do consumidor recupere seu protagonismo e atue com rigor diante das irregularidades do ambiente digital. O consumidor não pode continuar enfrentando sozinho desafios que pertencem a um sistema que deveria protegê-lo. Somente com fiscalização eficiente, punições adequadas e atuação coordenada será possível transformar a Black Friday em uma data de boas compras e não em um período marcado por problemas evitáveis.

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