Por Francisco Tramujas, Especialista em Vendas & Marketing Estratégico Autor de Marketing Estratégico para Revolucionar Mercados

O mercado executivo brasileiro parece ter encontrado um novo “truque de mágica” para apagar falas inconvenientes: os virais superficiais. O caso Tallis Gomes, fundador da G4, é a materialização desse fenômeno.

Meses atrás, Tallis declarou publicamente que jamais confiaria em uma mulher como CEO de empresa. Após a frase machista “Deus me livre de mulher CEO”, Tallis Gomes enfrentou forte repercussão negativa, com críticas de líderes empresariais e executivas de destaque.

Pressionado, Tallis pediu desculpas públicas e, em seguida, renunciou aos cargos de CEO e presidente do conselho da G4 Educação. No lugar dele, a então CFO Maria Isabel Antonini assumiu a liderança, enquanto empresas como a Hope se desligaram do conselho consultivo da G4 em protesto.

No entanto, o afastamento durou pouco: semanas depois, Gomes retornou ao protagonismo dentro da companhia, agora à frente do programa G4 Valley — movimento que muitos enxergaram menos como aprendizado genuíno e mais como uma estratégia de contenção de danos à imagem.

Não foi apenas uma frase infeliz: foi uma confissão machista, estrutural, retrógrada — e que deveria ter marcado sua imagem como uma cicatriz permanente.

Mas não. Em tempo recorde, a memória coletiva apagou essa fala. E o grande responsável pelo “reset” foi o tal Desafio 30×1: um espetáculo fake, roteirizado, superficial.

A pergunta que resta é: afinal, para que serviu de verdade esse desafio?

O Teatro do 30×1

No vídeo, Tallis aparece diante de 30 pessoas, supostamente enfrentando perguntas rápidas em sequência. A encenação era clara: um gladiador intelectual contra uma multidão. O clima de tensão foi construído com cortes dramáticos, closes artificiais e frases editadas para criar impacto.

Mas bastava olhar com atenção para perceber a farsa: perguntas óbvias, repetições de atores, edição forçada. Tudo ensaiado, nada espontâneo.

Era menos um debate real e mais um espetáculo de marketing barato.

O Neuralyzer Corporativo

A melhor metáfora vem do clássico Homens de Preto. Na cena icônica, após humanos presenciarem alienígenas, o personagem de Will Smith ergue o neuralyzer — um pequeno cilindro metálico — e com um flash de luz intensa apaga a memória de todos, dizendo:

“Vocês não viram nada. O que aconteceu aqui nunca aconteceu.”

O 30×1 funcionou exatamente assim: foi o neuralyzer corporativo. Um flash narrativo que fez a sociedade esquecer a frase machista e se concentrar apenas no espetáculo.

De repente, Tallis já não era o homem que negava a capacidade de uma CEO mulher, mas sim o herói que “aguentava” 30 contra 1.

Neurociência: O Cérebro Sequestrado

Por que isso funciona? Porque nosso cérebro é vulnerável.

O viés da novidade (novelty bias) nos faz priorizar estímulos novos em vez de lembranças antigas. O novo gera dopamina, e dopamina gera prazer.

A psicologia da atenção mostra que preferimos narrativas emocionantes a reflexões incômodas. É mais fácil assistir a um vídeo “impactante” do que revisitar um erro moral grave.

A disonância cognitiva faz o resto: quando sentimos o conflito entre admirar um “guru de negócios” e reconhecer sua fala machista, escolhemos esquecer o erro para manter a admiração.

Em resumo: o cérebro foi sequestrado pelo espetáculo.

Daniel Goleman e a Inteligência Emocional que Faltou

Daniel Goleman nos lembra que líderes só são completos quando cultivam inteligência emocional: empatia, autoconsciência, capacidade de aprender com os erros.

O episódio Tallis mostrou o oposto:

  • Zero empatia com mulheres ao negar sua capacidade de liderança.
  • Zero autoconsciência ao não entender a gravidade da própria fala.
  • Zero aprendizado, já que preferiu encenar um espetáculo em vez de evoluir.

O 30×1 não serviu como lição de liderança, mas como demonstração de que no mercado atual basta maquiar a imagem para retomar os holofotes.

A Ridícula Amnésia Coletiva

E aqui está o ponto mais crítico: o problema não é apenas Tallis. O problema somos nós.

Ridiculamente, aceitamos o fake como entretenimento. Ridiculamente, esquecemos rápido demais uma fala machista para aplaudir um vídeo ensaiado. Ridiculamente, nos comportamos como a plateia dos Homens de Preto, anestesiados por um flash que nos faz acreditar que nada aconteceu.

Essa amnésia coletiva não é apenas um detalhe — é um perigo. Porque legitima líderes tóxicos e perpetua a cultura do espetáculo vazio em vez da transformação real.

Então, para que serviu de verdade o Desafio 30×1?

Não foi sobre liderança, não foi sobre resiliência e certamente não foi sobre aprendizado.

Serviu apenas para resetar a memória coletiva, reciclar arrogância e recolocar no palco alguém que deveria estar refletindo sobre sua fala, e não sendo celebrado por um viral fake.

Se aceitarmos que um flash narrativo seja suficiente para apagar falas machistas, estaremos assinando o atestado da nossa própria cegueira coletiva.

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